terça-feira, 22 de junho de 2010


No prazer dos dias e das noites
procurei teu corpo

no perdido recanto da memória
achava tua sombra vigorosa

Ficava admirado a cada instante
que eles teu nome nunca adivinhassem

em cada fragrância,
em cada aroma estendido
como palma duma mão
que em milhares de rosas progredi-se

estavas,
sentada no mais amplo silencio,
contemplando, por cima, os murmúrios do planeta

insinuando teus perfumes
a luz de todos os aconteceres,
clara e consciente

como quem conserva por dentro
aromas a feno, a cravo, loureiro,
num imenso campo, sempre a céu aberto

estavas
qual essas almas grandes que humildes se reconhecem
entre a paciência de quem aguarda
voltar de novo ao local de nascença
e a vertigem das palavras que matam incoerentes
o sonho dos que despertam, a luz e a claridade

ou no ocaso duma borboleta,
que três continentes atravessara,
estavas
antes do vento partir a insuflar coragem
aos campos ermos de espírito primaveril

onde limpa também te encontras
para obter de alguma lagrima o segredo da folhagem,
justo no local onde eu sempre aguardo
o retiro dos dias a chegada das noites
o alento final em que ao fim possa saborear,
por primeira e única vez, no teu corpo, a essência do amanhecer...

Eu tinha acabado de fazer vinte e um anos
quando Henry Phipps, o catequista da Escola Dominical,
fez um discurso no Teatro Bindle.
“A honra da bandeira deve ser defendida”, disse ele,
“contra todos os ataques, venham eles da bárbara tribo dos Tagalogs
ou da maior potência europeia”.
E nós demos vivas ao discurso e à bandeira que ele brandia
enquanto falava.
Assim, fui para a guerra, contra a vontade de meu pai,
e segui a bandeira ate vê-la hasteada
no nosso acampamento, ao pé de um arrozal nos arredores de Manila,
onde todos a vitoriamos, uma e outra vez.
Mas depois havia moscas e coisas venenosas
e água estagnada,
um calor impiedoso,
a comida malsã, nauseabunda.
E havia esse cheiro da vala por trás das tendas
onde os soldados iam fazer as necessidades,
mais as putas que nos seguiam, cheias de sífilis,
e atos animalescos, praticados entre nós ou quando estávamos
sozinhos,
com desordens, ódios, degradação,
e dias de tédio, e noites de terror.
Por fim, o momento da carga através de um pântano coberto de névoa,
seguindo a bandeira,
até que caí com um grito, baleado nas entranhas.
Agora sobre a minha campa em Spoon River existe uma bandeira!
Uma bandeira!

Edgar Lee Masters
Poema: Harry Wilmans, Do livro “Spoon River”