quarta-feira, 2 de setembro de 2009

PERTENÇA


Ele era de um país que não tinha nome.
Ela estava na idade de mudar a rota.

Diz que foi o vento, o vento que tem o poder de converter as rochas em cinza.
E talvez nem muito menos fora assim, porque ele vinha dum lugar onde sempre se escondem os sonhos debaixo da areia (para cegar-lhes as estrelas).
E ela estava na idade de mudar as cores: no arco da velha, pôr telha no prado, ou verde que sobra debaixo da árvore... E ele tinha de mudar: suas formas.

Havia uma lagoa, sempre em qualquer lugar há uma lagoa (adivinha-se logo), mas esta era feita de lágrimas não vertidas sobre a válvula dos olhos.
E como ela sentia necessidade de mudar, e como ele viera dum país onde nunca falam as historias de outros tempos... seus caminhos tiveram (por força) de se cruzaram, como neste casual, que a ninguém agora interessa. Porque sempre numa ou outra vida hão de cruzar-se caminhos à roda.
E a ela tocou-lhe este, e a ele ficou-lhe tão perto... E como ele provinha dum país onde o nome sempre se esquece, e como nunca reparara no significado da nascença, tampouco ia agora “trigonometrar” sobre o estado propicio das acácias, ou contemplar alheio o medrar das raízes como berço para a ambos aninhar-se; dai que ele não acertara fácil aonde se dirigem as pegadas dos homens, que como ele, andam pelo mundo a volta da sobrevivência.
De modo que trocou seu pouco animado sentido, por uma senda que nunca chega ao horizonte.


Fragmento do relato Pertença de Artur Alonso

Um comentário:

  1. Que bem se escreve quando se escreve bem... como tu sabes fazer, Artur, poeta. Abraços desde a República da Rousia

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